Para revogar o Decreto 73/73
Ordem dos Arquitectos entrega 35 mil assinaturas no Parlamento
A Ordem dos Arquitectos vai entregar amanhã, 23 de Novembro, às 10h30, mais de 35 mil assinaturas ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
As assinaturas foram recolhidas no âmbito da Iniciativa Legislativa de Cidadãos que tem como lema «Arquitectura: Um direito dos cidadãos, Um acto próprio dos arquitectos». Lançada há cerca de um ano, pretende revogar (parcialmente) o Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, que permite que pessoas não qualificadas assinem projectos de arquitectura.
Este assunto já foi alvo de uma petição lançada pela Ordem dos Arquitectos em 2003 e subscrita, na altura, por 55 mil cidadãos. Dessa petição resultou uma resolução da Assembleia da República (Resolução 52/2003, de 22 de Maio), aprovada por unanimidade, mas sem consequências legais.
Esta é a segunda Iniciativa Legislativa de Cidadãos que dá entrada no Parlamento, desde que a figura foi criada. A primeira referia-se à realização de um referendo à lei sobre Interrupção Voluntário da Gravidez.
Após a sua admissão na Assembleia da República, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos terá de ser rapidamente votada. A Comissão Parlamentar à qual o texto for remetido tem 30 dias para se pronunciar (que podem ser alargados se houver debate público), findos os quais o agendamento para uma das 10 reuniões plenárias seguintes é obrigatório, a fim de haver uma votação na generalidade (ver texto O nosso esforço não acaba aqui).
A votação na especialidade é feita em Comissão, no prazo máximo de 30 dias, tendo a votação final global de ocorrer até 15 dias depois. Desta vez a votação parlamentar terá força de lei.
Entre as dezenas de milhares de cidadãos que deram o seu nome em prol da revogação do 73/73 encontram-se o de Freitas do Amaral, autor do projecto de diploma para revogação do Decreto n.º 73/73 e actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Lino, actual ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda.
Helena Roseta, presidente da Ordem dos Arquitectos, considera que, aberto o caminho para a revogação do Decreto n.º73/73 pôr-se-á «termo a uma situação absurda que viola o clima de concorrência leal a que Portugal está vinculado».
E acrescenta: «Aponta-se para a criação de um quadro de regulação profissional que permitirá às câmaras municipais, aos cidadãos e à opinião pública saber quem é responsável por quê no seio do processo construtivo, uma das áreas onde reina a falta de transparência, a promiscuidade de interesses e a tentação da corrupção» (ver texto Breve Historial).
BREVE HISTORIAL
1. O Decreto n.º 73/73 estabeleceu, em disposição transitória, a possibilidade de as câmaras municipais, em certas condições, aceitarem projectos da autoria de técnicos sem a qualificação profissional nele definida, designadamente na falta de técnicos com as qualificações exigíveis.
2. As razões desta decisão, no que respeita à arquitectura, estão largamente ultrapassadas. Em 1969, eram pouco mais de 500 os arquitectos inscritos no antigo Sindicato Nacional dos Arquitectos. Hoje, a Ordem dos Arquitectos tem cerca de 13 mil associados. A oferta de formação académica multiplicou-se exponencialmente – hoje existem 27 cursos e para cima de mil estudantes –, e a sensibilidade da opinião pública às questões do território e da arquitectura também é hoje muito diferente.
3. A comprová-lo está o elevado número de assinaturas recolhidas pela petição n.º 22/IX «Direito à Arquitectura e revogação do decreto n.º 73/73», entregue na Assembleia da República em final de 2002 com 54.678 assinaturas e, dois anos depois, com as para cima de 35 mil assinaturas recolhidas na Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Os primeiros subscritores da petição foram os cidadãos Nuno Teotónio Pereira e Diogo Freitas do Amaral, hoje membro do actual Governo.
4. A petição foi acompanhada de um projecto de diploma para revogação do Decreto n.º 73/73, da autoria do Prof. Freitas do Amaral. As conclusões do relatório da Comissão de Obras Públicas, Transporte e Comunicações, elaborado pela Deputada Isabel Gonçalves (CDS/PP) e aprovado por unanimidade na Comissão, recolheram a fundamentação apresentada na Exposição de motivos do projecto de diploma de Freitas do Amaral. Foi esta a primeira vez que uma matéria de regulação profissional foi submetida a petição popular, procurando alargar o debate para fora das fronteiras corporativas. No entanto, a petição acabou por não ter consequências legais.
5. Em Outubro de 2004, no Dia Mundial da Arquitectura, a Ordem dos Arquitectos anuncia no Porto o lançamento de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, destinada à recolha de 35 mil assinaturas. É a segunda Iniciativa Legislativa de Cidadãos que se lança em Portugal. A primeira dizia respeito à Interrupção Voluntária da Gravidez.
6. É de um verdadeiro direito à Arquitectura que se trata. Todas as tentativas anteriores de revogar o Decreto n.º 73/73 esbarraram com interesses de grupos ou classes profissionais. Eram invocados alegados direitos adquiridos para manter um regime transitório obsoleto e incompatível com o quadro legal definido por directivas comunitárias e por legislação portuguesa em vigor, designadamente a Directiva 2005/36/CE, que assegura o nível de formação exigido para o exercício de arquitectura, e o próprio Estatuto da Ordem dos Arquitectos, que determina os actos próprios da profissão.
7. Com a entrega e admissão no Parlamento das mais de 35 mil assinaturas recolhidas fica aberto o caminho para a revogação expressa do Decreto n.º 73/73, pondo-se termo a uma situação absurda que viola o clima de concorrência leal a que Portugal está vinculado. E aponta-se para a criação de um quadro de regulação profissional que permitirá às Câmaras Municipais, aos cidadãos e à opinião pública saber quem é responsável porquê no seio do processo construtivo, uma das áreas onde reina a falta de transparência, a promiscuidade de interesses e a tentação da corrupção. Julgamos por isso que este é um caminho obrigatório para a defesa da cidadania e da legalidade, mas também da arquitectura, da paisagem e do território, valores permanentes e indissociáveis da própria identidade nacional.
Helena Roseta
Presidente da Ordem dos Arquitectos
O NOSSO ESFORÇO NÃO ACABA AQUI
Helena Roseta
A iniciativa legislativa de cidadãos para a revogação parcial do decreto 73/73, de 28 de Fevereiro, vai finalmente dar entrada na Assembleia da República no dia 23 de Novembro. Chega assim ao seu termo o esforço de recolha de assinaturas levado a cabo pelo Ordem dos Arquitectos para conseguir que o Parlamento vote finalmente, com força de lei, aquilo que ele próprio já aprovou por resolução unânime em 2003: que os cidadãos devem ter direito à arquitectura, que é um acto próprio dos arquitectos.
Dirigimo-nos a muitos cidadãos para apoiarem esta mudança legislativa. Andámos nas escolas de arquitectura, nas feiras do livro, em exposições e actos públicos ligados à arquitectura. A palavra passou aos amigos, conhecidos e familiares. Sentimos que as pessoas compreendem que a arquitectura é um bem público, por cuja qualidade o próprio Estado tem obrigação de zelar, nos termos da nossa Constituição. Não é apenas um problema dos arquitectos Não nos cansámos de evidenciar a obsolescência de um diploma, provisório há 32 anos, que permite a não arquitectos desempenharem actos próprios de arquitectura. Os cidadãos ouviram-nos e apoiaram-nos, quer subscrevendo com 55 mil assinaturas a nossa petição de 2002, quer subscrevendo agora de novo, com mais de 35 mil assinaturas e os respectivos bilhetes de identidade e número de eleitor, esta iniciativa legislativa de cidadãos.
Desde que o direito de apresentar iniciativas de cidadãos foi consagrado na lei portuguesa (Lei 17/2003, de 4 de Junho), apenas uma vez ela teve lugar, sobre a realização de um referendo à lei sobre IVG. Esta é a segunda iniciativa legislativa de cidadãos que dá entrada no Parlamento, com a inovação de ser uma iniciativa que não parte de nenhum partido, mas sim de uma associação pública profissional.
Queremos que a arquitectura seja um bem de todos, um direito das pessoas. Por isso é tão importante a iniciativa de cidadãos que agora apresentamos. Estamos convencidos de que só abrindo o debate à sociedade é que podemos melhorar o estado da arquitectura e do território em Portugal. As Ordens profissionais têm muitas vezes sido acusadas de estar a defender interesses corporativos. Não é, nem nunca foi, a nossa posição.
A anterior petição, apesar de ter conduzido a uma Resolução aprovada por unanimidade em 2003, não teve nenhumas consequências legais. É legítimo esperarmos que o Parlamento aprove agora também por unanimidade esta iniciativa. O articulado que propomos é, aliás, praticamente o mesmo. Mas desta vez a votação parlamentar terá força de lei.
Se a iniciativa legislativa de cidadãos for admitida, como esperamos, terá de ser rapidamente votada. A Lei 17/2003 marca prazos muito curtos para todo o processo: a Comissão Parlamentar à qual o texto for remetido tem 30 dias para se pronunciar (que podem ser alargados se houver debate público), findos os quais o agendamento para uma das 10 reuniões plenárias seguintes é obrigatório, a fim de haver uma votação na generalidade. A votação na especialidade é feita em Comissão, no prazo máximo de 30 dias, tendo a votação final global de ocorrer até 15 dias depois.
Não podemos deixar de sublinhar a importância política e simbólica desta iniciativa de cidadãos. Orgulhamo-nos de a poder apresentar. Mas o esforço que fizemos até agora não acaba com a entrega da iniciativa no parlamento. Vai ser necessário acompanhar o processo legislativo e participar nos debates inter-associativos que se impõem para definir o diploma que há-de substituir o famigerado decreto que queremos ver revogado.
Como Presidente da Ordem dos Arquitectos, agradeço a todos quantos nos ajudaram a chegar aqui. Continuamos abertos a todas as sugestões para melhorar o enquadramento legislativo da nossa actividade. O nosso compromisso é o de continuar a exigir de todos os arquitectos que façam aquilo que melhor sabem. E que assumam todas as suas responsabilidades na defesa da arquitectura, do ambiente construído, do território e da paisagem, que são elementos constituintes da nossa própria identidade nacional.
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